terça-feira, 17 de novembro de 2015

O cruzeiro do sul XII - Além do porto seguro

Eu estava sentado no alto de uma caixa grande com ferragens que ficava do lado direito e lá no fundo perto da porta do baú da carreta que transportava as ferragens, a lona, outros materiais e os trabalhadores que montavam o circo. Eu já tinha tocado algumas músicas pra animar a galera e agora era a hora de deixar os peões dormirem um pouco. Estávamos percorrendo uma rodovia que beirava o mar, tínhamos desmontado o circo em São Pedro d'Aldeia e íamos em direção à Muriaé no estado de Minas Gerais. Essa caixa era grande de forma que eu estava sentado e conseguia olhar pela única janela de mais ou menos um metro de altura e um metro de largura. Pegando no rosto o vento quente do verão, olhando a luz da lua que refletia na água do mar de Macaé e ouvindo o ronco daqueles supercansados heróis que literalmente carregavam todo aquele espetáculo nas costas. Eu só pensava: "que vida louca". O mês de janeiro que seria a época mais propícia a juntar uma grana na região dos lagos, me deixou assim como cheguei, zero a zero. Num restaurante em cabo frio eu consegui trabalhar da última semana de dezembro até a primeira de janeiro, tempo suficiente pra conhecer a Lúcia, uma mulher de uns quarenta anos que me ofereceu um quarto na casa dela por um aluguel bem baratinho. "Mas se você não puder pagar, também não tem problema não gaúcho." Lá eu passei o mês de janeiro inteiro. O marido dela era segurança de uma boate e ela tinha quatro filhos, desses, três moravam ali. O John Lennon de sete, John Kennedy de oito e o Victor Hugo de dez. Eles moravam numa rodovia que fica as margens da lagoa de Araruama. Eu rodei aquela região dos lagos atrás de serviço, mas era um aqui que eu ficava dois dias, outro ali que ficava mais três e assim eu ia. Não conseguia me adaptar. Tinha-se ido o tempo que ser garçom era uma atividade rentável, mas o problema era mesmo comigo. Num dia chegava atrasado, no outro esquecia a gravata borboleta, no outro pedia pra sair mais cedo, no outro não ficava contente com o dez por cento. Parecia que era maitre e não garçom. Um fiasco. Sempre tive mais sorte que juízo. E nessas de pendengar aqui e lá, botei na cabeça que poderia fazer jingles e oferecer no comércio. Conheci um cara de um estúdio no centro de São Pedro e fizemos a parceria. Vendi uns dois ou três no comércio de São Pedro e depois fui oferecer nas outras cidades da região.
Num dia que estava vindo de Araruama vender os tais jingles, voltava desanimado por não ter vendido nenhum e ao passar por um campo grande onde tinha esse circo, fui até o encarregado e perguntei se poderia me arrumar uma vaga ali pra mim. "Cara, só tem de serviço pesado", me olhou dos pés a cabeça, eu disse que podia ser. Me olhou de novo. "E cadê suas coisas?" Eu ainda não tinha entendido, mas então me liguei. Eles estavam desmontando o circo, se eu quisesse era o serviço de desmontagem, perguntou sobre minhas coisas porque estavam encerrando aquela temporada ali. Era umas três horas da tarde, fui mais que rápido até a casa da Lúcia e juntei minhas coisas. "Onde você vai irmão?" Foi a pergunta do marido dela. "Cara, vou seguir viagem, conheci um pessoal de um circo aí e eles estão me oferecendo trabalho e indo em direção a Minas Gerais, preciso continuar minha jornada, não sei nem como agradecer a vocês por tudo que fizeram por mim, mas chegou a hora de partir." Ele tinha uns dois metros de altura por mais um e meio de largura. O braço dele era mais ou menos do tamanho da minha perna. Foi um das coisas mais estranhas ver um cara daquele porte quase chorar me pedindo pra ficar. "Irmão, não precisa pagar nada." Eu entendia então que o tamanho do corpo era propocional ao do tamanho do coração. Depois ainda tive que explicar pra cada um dos meninos o que estava acontecendo e me despedir também quase aos prantos, não fosse pela empolgação da aventura que estava apontando.
O dia amanheceu e já estávamos em Muriaé. Chovia fininho, então a montagem foi adiada até o tempo secar. Com os outros trabalhadores do circo, fui até o centro conhecer a cidade e bicar as mineiras. Lembrei que eu conheci um cara no Rio Grande do Sul que morava em Muriaé. Eu lembrava até o sobrenome dele. Juliano Manzinni. Depois que o tempo secou e se iniciou a montagem do circo, fui rodar a cidade a procura do Juliano. Levei a viola e minhas coisas, talvez nem voltasse mais pro circo, mas deixei em aberto e fiz isso no dia de folga. Fui pelo centro da cidade e em uma rádio, pedi que anunciassem que eu era viajante e estava a procura dele. Esperei um tempo nas dependências da rádio mas não obtive sucesso. Rodei um pouco mais e parei pra descansar do calor em uma praça que tinha uma estátua, um mineiro com uma picareta erguida como se pronto pra golpear, de uns dez metros de altura. Por ali tinha uns caras conversando que me notaram. Eu ouvindo a conversa, me meti quando o assunto era a falta de uns dois reais para inteirar o beck. "Eu tenho, tô dentro." Louco é louco em todo lugar. Logo fiz amizade com um deles o Tião que era mais receptivo e na espera daquele que foi fazer a correria, contei que procurava um tal de Juliano Manzinni, que tinha ido pro sul uns anos atrás fazer um tratamento pra dependente químico. Ele disse que achava que sabia quem era. Na esquina da praça ficava um prédio, lá da frente ele gritou: "Juliano." O cara morava lá. Apareceu na sacada e desceu rapidamente a escada. Fiquei uns dias na casa dele. Me mostrou a cidade, o interior onde tinha pela beira da estrada muitos pés de cajú, coisa que até então eu não tinha tido o prazer de conhecer e até fomos assistir uma palestra num centro espírita que ele frequentava. Ia de manhã trabalhar no circo e a noite voltava pra dormir ali, depois do circo montado, consegui passagem livre pro Juliano e pra mulher dele frequentar os espetáculos. Uma semanda depois de chegar em Muriaé, achei que era hora de partir. No circo foi a mesma novela de despedida. "Que isso gaúcho, fica com a gente, daqui duas semanas a gente vai pra Salvador e depois vamos pra Amazônia." Eles aprenderam logo a mexer com meu psicológico, mas eu já tinha uma rota traçada e era a hora de ir pra São Thomé das Letras. O Juliano me deixou no ponto mais distante da estrada três cinco meia em direção a Belo Horizonte onde tinha um balneário que dias antes tivemos ali fazendo um churrasco e tomando banho no Rio Preto. Ali entrei no rio e sentei nas pedras com as costas viradas pra corredeira. Tomei uma massagem de uma meia hora nas paletas e pronto, eu estava inteiro. Juntei a mochila, o violão deixei fora da capa que usei pra sentar na beira da estrada e toquei uma música do Belchior que diz assim: "Há tempo, muito tempo que eu estou longe de casa..." e era ainda só o começo.

O cruzeiro do sul XII - Além do porto seguro

sábado, 7 de novembro de 2015

O cruzeiro do sul XVI - Cenas do próximo capítulo

O Chico já estava começando a achar que aquela visita passava do prazo. Ele não disse isso, em nenhum momento, mas eu senti. A mulher dele era bem legal, mas pessoas da igreja adventista são um tanto radicais e pouco passíveis de convívio com quem não faz parte do grupo. Eu já comecei a me mexer e disse que estava indo pra Uberaba dali dois dias. Eu fiquei em Araxá um mês, pouco mais ou pouco menos. Não consegui trabalho e não quis vender os produtos que o Chico vendia. "Vendas não é pra mim". Ele não entendia como alguém que aceitava andar perdido pelo mundo tinha vergonha de chegar em uma casa pra oferecer um produto ou um serviço. Em Araxá, conheci uma galera bem legal, uns isqueitistas que andavam numa pista anexa à uma loja do gênero. Passava os domingos lá, o sábado é sagrado para os adventistas, então nesse dia eu me juntava a eles no culto da igreja, rezava, cantava os louvores e até me divertia junto deles. Quando chegava sexta-feira ao pôr-do-sol, já entrava-se em vigília. Na casa do Chico cantava-se louvores, lía-se a bíblia e debatía-se a respeito do texto e do ensinamento absorvido. Certa vez não foi muito bem sucedida essa atividade, eu queria cantar na segunda ou na terceira voz, mas saía horrível o Chico começou a rir e eu também não me aguentei, a mulher dele ficou furiosa e saiu da sala. Ele chamou ela, pedimos desculpa e começamos de novo. Mas quem conseguia? Era eu abrir a boca e soltar a voz e a gargalhada pegava. Na terceira vez ela prometeu que era a última tentativa, e foi. Aquela noite deixamos assim mesmo, pra evitar maiores discussões. Na casa da tia do Chico eu pousei umas noites, passei alguns dias e cozinhei no almoço pra Valquirinha e pro Luquinhas quando ela precisava ir pra escola dar aula, já que ela era professora. Eu me juntei a eles de forma a fazer parte da família com a maior naturalidade, algumas vezes tentei vender os produtos que o Chico vendia, mas eu ainda não estava pronto a encarar aquilo, precisava passar mais trabalho. Teria que passar mais perrengues, por que só assim se toma consciência de onde se está e quem se é. Eu ainda não tinha noção do que estava acontecendo. Talvez pensava que era um turista. Foi que eu então decidi que era hora de seguir viagem. Dois dias mais tarde, vendi o disquemen pro Chico pra ter algum dinheiro pra quando chegasse em Uberaba. Agradeci e combinei com a mulher dele de encontrá-la em Uberaba na saída do curso que ela fazia lá de Técnico de Segurança do Trabalho  pra devolver uma grana que o Chico me emprestou, já que o valor do disquemen não era suficiente. Com mais sorte que juízo, me despedi daquele tão querido amigo e daquela tão inflexível, mas muito correta, esposa dele. Estando na rodovia, tudo volta a ser como era antes de chegar ali. Cheiro igual a todas as estradas por onde andei, o som dos carros passando como uma trilha sonora na cabeça, e a companhia do sol iluminando e reenergizando a aventura. Quase uma hora depois de estar ali esperando uma carona e do Chico ter retornado pra dentro da cidade, o tempo começou a fechar. Logo começou a garoar e um carro com  quatro pessoas dentro parou. "Sempre cabe mais um". A chuva foi aumentando e eu fui ficando com um pouco de vontade de mijar, mas achei que era perto e logo chegaríamos. Conversei sobre algo pra despistar um pouco a vontade, mas não teve jeito, a bexiga foi inchando e o ar frio da chuva que entrava pela ventilação do carro pegava bem em mim, que estava no meio do banco de trás. Pra ajudar começou a chover cada vez mais forte então eu teria que pedir pra parar o carro na chuva e mijar na chuva. Ai meu senhor Deus, eu tenho o dom de arranjar encrenca mesmo. Quando achei que se demorasse mais um segundo pra mijar na roupa e no banco do carro eu disse: "Me desculpem amigos, mas preciso descer pra urinar". Acho que até Deus já estava agoniado de me ver naquele estado que no momento que o carro parou, a chuva cessou, do nada. Eu desci já com dor na bexiga, que estava tão cheia que fiquei ali uns vinte segundos, com o pau pra fora sem sair uma única gota. O silêncio no mundo, a chuva fininha como aerosol, o sol fazendo força pra sair de trás das nuves, um arco íris já formando e então depois de mais ou menos um minuto de agonia e dor o tal do mijo veio. Não quero exagerar, eu mijei uns três minutos. Já estavam começando a fazer algum comentário dentro do carro e até umas risadas eu já estava ouvindo, quando enfim guardei o pau molhado. "É...cê tava apertado hein?! Ôche.. porque não disse logo?" Porque eu sou um ridículo mesmo, pensei comigo. Pra disfarçar comecei um assunto. "É bonito Minas Gerais hein?!" Contei que estava indo pra Uberaba porque queria ver o Chico Xavier pessoalmente. Eles iriam passar por dentro do bairro em que ficava o centro espírita onde ele administrava as palestras e podiam me deixar em frente à casa dele que ficava bem próxima. Em frente à casa do Chico Xavier peguei um ônibus que dava a volta na cidade e levava até o outro lado onde tinha um albergue que abrigava viajantes. Lá podía-se tomar um banho, jantar, tomar café e dormir numa cama quentinha. Só tinham três regras: não podia ficar ali mais de dois dias, não podia fumar e nesses dois dias se saísse, não podia voltar mais. Logo pela manhã já saí, peguei minhas coisas e fui descendo uma ladeira grande que acabava no centro da cidade. Parei em frente à uma casa onde tinha uma placa. "Pensão da Tia Lurdes - Aluga-se quartos". Toquei a campainha e uma moça de uns vinte e cinco anos com um chórte curtinho e de mini blusa sem sutiã veio me atender. "Oi... posso ajudar?" Ai, ai... como podia. Foi em Uberaba que muita coisa mudou. Lá eu descobri que sabia fazer muito bem uma coisa que até então nem imaginava que sabia. Vender.


O cruzeiro do sul XVI - Cenas do próximo capítulo

quarta-feira, 28 de outubro de 2015

O cruzeiro do sul XIII - O primeiro dia

Vai entender essas de se Deus existe ou não, se intuição é da mente ou do espírito, se o futuro só pertence a sorte. Tentando desvendar isso já quase fiquei louco. Melhor é deixar as coisas como são e viver. Quase no Paraná o ônibus parou nesses postos que tem restaurante, o motorista anunciou trinta minutos de descanso para "janta". Já era duas horas ou mais. Fiquei dentro do ônibus olhando pela janela. Eles iam ficar muito contentes com minha volta. Preferi não avisar ninguém e chegar de surpresa. Você é um cara surpreendente era uma frase que muito ouvia, mesmo quando não era num bom momento. Ia direto pra casa do meu pai. Não sabia que andava acontecendo por lá. A única coisa que eu sabia é que minha mãe tinha vendido a casa de Torres. Um cara no banco mais a frente conversava sozinho, baixinho, mas dava pra saber que também tinha lá seus perrengues, eu só conseguia ouvir a expressão de interrogação no final das frases. Eu queria mesmo era sumir de vez, ir pra outro país. Mas eu não era igual meus amigos de Torres que tinham dinheiro suficiente, ou pais com dinheiro suficiente pra isso. Um deles eu sabia que tinha ido pra Nova Zelândia, outro pra Nova Iorque, outros mais acomodados estavam por lá ainda, gastando o dinheiro dos pais com maconha, festas, cocaína. Mas o que mais eles conseguiriam almejar numa cidade dominada por gente hipócrita? Onde os mais egocêntricos tinha ódio de gente egocêntrica, os mais respeitados batiam na própria mãe e os menos admirados trabalhavam duro e nunca eram lembrados. Todos aqueles que mostravam ter um futuro promissor e que podiam fazer algo pra mudar sua própria vida entregavam-se ao luxo da procrastinação. Por fim, que culpa tinham esses? Somos resultado de nossas escolhas mas também fruto de nossos traumas e medos. Ninguém pode julgar isso. Nesse mundo todos somos produto do meio. Meu próprio avô, que disse isso, se mostrava uma pessoa tão espiritualizada e desenvolvida, mas anos mais tarde mostrou-me que a hipocrisia era generalizada, todo o amor pregado não foi suficiente para deixar meu cachorro pousar dentro do pátio da casa dele, o que no dia seguinte fez disso um dos dias mais triste da inha vida, até hoje eu lembro daqueles olhinhos escondidos no meio do pêlo preto, quase choro por nunca mais tê-lo visto. Meus tios mais apedrejados seriam anos mais tarde os que mais iriam me apoiar, e mesmo assim sempre mal falados pelos senhores da hipocrisia. Espero que meu avô não leia nunca isso, evitei ter que lhe falar isso pessoalmente por que quero guardar dele somente as boas lembranças de quando eu era criança e ele fazia meu mundo melhor. Enfim estava passando a ponte que separa o estado de Santa Catarina com o do Rio Grande do Sul. Foi dali que eu parti para essa longa viagem, onde eu peguei a primeira carona com o José, caminhoneiro muito gente boa que além de me levar até próximo ao Rio de Janeiro, conseguiu que o parceiro de viagem dele, que ia em outro caminhão, me levasse até dentro da cidade do Rio.  Preferi nem olhar pela janela, estava mesmo do lado esquerdo do ônibus. Acordei só próximo a Porto Alegre e o dia já ia amanhecer. Eu só lembrava dos olhos do Gerson, da fala mansa do Geison, a carinha de dúvida do Gabriel, a gargalhada da Lilian, a cara de abobado do Emanuel no fim de cada piada, a preocupação constante, fruto de um dom a superproteção da Liliane, o lindo sorriso do meu pai e o rosto da minha mãe. Só queria agora estar lá e amar eles. Contar tudo o que se passou e prometer não arredar o pé de lá por um longo tempo. Nem que eu quisesse, poderia sair e rodar o mundo de novo. Onde ia arranjar coragem pra isso? Pensei que eu era mesmo um inconsequente e que o que se passou foi fruto de uma mente imatura e desorientada. Eu não sabia nem mais o que pensar, já não sabia nem se eu era um herói que merecia um pódium ao fim da corrida, ou se era mesmo um doido que merecia uma surra de correção. O que eu queria mesmo era uma boa cama, dormir e acordar como se fosse de um sonho louco de um adolescente que acordou adulto. Liguei pro Gerson, era o único número que eu nunca esquecia. Era pra ele que eu sempre ligava e ficava horas, ou minutos, ou sei lá quanto tempo pendurado ao telefone mandando notícias e trocando palavas de amor e conforto. Claro que liguei a cobrar, ele desligou, mas logo recebi uma ligação da casa do meu pai. Era a Kelly. "Em Porto Alegre hein!?". Sim, eu estava de volta avisei que estava chegando. Em frente a casa, notei que meu pai estava esperando na janela, ele saiu e veio ao meu encontro. Olho vermelho, leve nó na goela ele disse: "Psiu, tua mãe, tuas irmãs e a Vitória estão aí. Tão ali no quarto, vamos fazer uma surpresa. Eu disse que ia conversar com alguém importante ali na sala e era pra elas irem pra lá". Estou no meio da sala e a porta do quarto que dava de frente pra sala ele foi abrir, elas me viram e gritaram. AAhh, correram pra cima de mim, me abraçaram e me beijaram muito. Foi um dos dias mais emocionante que me lembro. Hoje eu penso em tudo o que houve e parece que não cabe tudo na mesma vida. Depois de tudo que se passou, hoje saltar de paraquedas não é mais um sonho, é realidade, minha mãe não está mais aqui pra ler isso, nem meu pai, ainda não tenho filhos, ainda não estou rico, ainda não fui morar em outro país. Quem sabe o que vai acontecer? Ninguém. O que podemos fazer é simplesmente estar disposto a escrever nossa história com a nossa própria letra. E o futuro... ah o futuro. Está lá, e hoje eu quero viver como o primeiro dia do resto da minha vida.

*Esse conto é em memória de minha mãe e de meu pai.
Amélia Coelho Lima e Neri Machado de Lima.

O cruzeiro do sul  XIII - O primeiro dia

terça-feira, 13 de outubro de 2015

O cruzeiro do sul X - O manto estrelado

Era o fim da primeira semana, lá pelo quinto dia em que eu estava em São Thomé. Véu de noiva era o nome daquela cachoeira. Tinha uma pedra alta donde se podia pular no poço da queda d'agua. Capaz que eu não subi lá em cima e pulei, né? Deu um minuto eu estava lá em cima me jogando. Ah se a minha me mãe pega pulando lá de cima... O Márcio nos mostrou uma caverna, que reza a lenda, por ela você anda pelo interior da terra e sai em Machu Pichu no Peru. Claro que eu não entrei e percorri o caminho pra saber se é verdade, mas em Machu Pichu no Peru tem uma lenda de uma caverna lá que diz que se entrar nela, vai sair em São Thomé das Letras no Brasil. Eu e a Taís perguntamos sobre os cogumelos ao Márcio. Para o nosso espanto ele disse que tinha muitos, mas ele era contra. Eu e a Taís nos olhamos rapidamente. "Até tomo, sem problemas, mas sou contra". Esses "hippies"!
O sol, o vento e as nuvens se combinavam de representar um lindo balé que parecia dar movimento aquele mar verde de terra, montes e montanhas. O Márcio me mostrou uma poesia dele e de outro "hippie" que falava a respeito de São Thomé chamada Ciranda das Letras. Me comprometi de musicá-la. Ainda gravarei a tal canção que já existe. O dia se despedia sempre naquele imenso véu rosado. Trazendo aquele turbilhão de estrelas e, em nenhum momento se cansava de parar e ficar olhando, ou pro céu a noite, ou pra terra durante o dia. 
Não tinha muito como conseguir trabalho em São Thomé, então se aceitava fazer qualquer coisa, até trabalhar num restaurante de comida caseira por um valor quase irrisório. Fiz isso. Era quinta feira, o carnaval começaria na sexta, a Taís tinha ido pra São Paulo,  jurou que voltava, fiz força pra acreditar e quase não consegui. Com Taís ou sem Taís, eu tinha que descolar um dinheiro. Peguei um resto de dinheiro e vontade e fui pela manhã seguinte pra Três Corações. Talvez descolava um serviço por lá que me possibilitaria ter algum pra quando a Taís voltasse. Peguei uma carona na saída da cidade, e em Três Corações gastei o dinheiro que ainda restava comprando o que comer. Lá voltava eu pra São Thomé,  aquele polegar erguido, sujo, cansado, com menos dinheiro ainda. Um senhor muito gente boa me deu carona, mas nessa estrada tem um ponto em que a estrada se divide e forma um outro braço mas que também vai até São Thomé, porem é mais longe, é estrada de chão e passa menos carros. Ele ia até a metade dessa rota alternativa. Me perguntou se eu preferia ir com ele e tentar outra carona lá, ou descer na rodovia que era mais movimentada.
Que canseira, ninguém passava mesmo, caminhei até São Thomé. Lua nova, na estrada eu não via nada. Nem o chão. A estrada em um ponto era cercada de vegetação e bois estavam pelo caminho, ouvia os barulhos de bichos ao meu redor, mas não tinha o que fazer além de continuar. As estrelas riam de mim e as árvores acredito que me protegiam, o ar me supria, a coragem me levava em frente. Não se tinha escolha.
O pé da montanha me encontrou suado, endorfinado, travado de superação. Tomei um banho e subi para a pirâmide. Fiquei sozinho olhando o vale. Senti saudades da Taís. Toquei algumas musicas mirando a Alfa. Dormi desesperançoso com a promessa da Taís.
"Acorda". Meus olhos abriram aos poucos e aquele símbolo que é um A dentro de um círculo, dedurou. Ela estava de volta. Que bom estar com alguém pra dividir as emoções que emanavam daquele lugar. Rodamos cada canto daquele paraíso. Muita gente chegava, o bar do dois aquela noite bombou normal. Imagina uma montanha cheia de galera alto astral, pra todo lado fogueiras acesas, alguns enrolados em cobertores, outros não ligavam para o frio, pois o LSD já produzia calor suficiente. O Márcio era o percursionista oficial,  alguém chegava pra tocar uma música na viola e ele puxava o chocalho feito de latas e mandava o ritmo. Mandava embora.  Todo perdido, tanto que certa vez tentei animar o baile mas não passei da terceira música. A história da cidade era cercada de lendas de muito tempo atrás,  em que seus personagens eram ET's, assombrações e Raul Seixas, que ali queria implantar a tal Sociedade Alternativa e de pouco tempo atrás, que falavam das bebedeiras do Zé Ramalho e também do Frejat. Era um lugar realmente mágico e fascinante. Tinha um mago que era também cantor e cantava de forma excelente. Ficávamos por ali, no bar do Dois, maravilhados quase sempre até depois do nascer do sol. Foi o lugar que mais gostei de conhecer, de longe a aventura mais inesquecível. Nunca mais eu vi o Márcio e nem a Taís. O que sobrou foi só mesmo a lembrança e a inspiração para um música que ficou entitulada "A pedra magnífica" A letra da música segue a baixo.

A pedra magnífica

Ela quis partir e não acompanhar
Vida conjugal, arte de amar
Ouvi o céu dizer que amor nasceu
Do horizonte azul unindo solidão
Ao sentir só, ela então pediu a Deus
Se existir criar imenso céu de luz
Na sombra da triste dor de estar só
Pra esperar o amor chegar de um lugar
Onde existe um sentimento nobre
Na dureza sensível da rocha
Onde existe um sentimento nobre
Milenar, magnífica
Toma tempo pra pedir o que quiser
Peça certo pra não se arrepender
Tudo o que você quer, pode conquistar
Com coragem e força e nada o impedirá
Pensamento positivo é a chave
Sem ação nada se consegue
Milenar, magnífica

O cruzeiro do sul X - O manto estrelado

quinta-feira, 8 de outubro de 2015

O cruzeiro do sul XI - Constelações, arquipélagos e nuvens. - Parte II

Tudo bem estar longe de casa mais de mil quilômetros, tudo bem andar acompanhado de quatro outras perdidas, tudo bem estar com fome e andar sem rumo à noite até decidir o que fazer, mas não precisava chover. Arranjamos uma marquise pra se abrigar e descansar um pouco, deitei e peguei no sono quase instantaneamente. Acordei com ela dizendo: "Gauchinho... tem uns caras ali do outro lado numa van, eles vão pra Aracajú". Ela disse que ia com eles. Não gostei nada daquilo. Fiz aquela carinha de cachorro abandonado e disse que tudo bem. Olhei como se pela última vez na carinha dela e dei-lhe mais um beijo como de despedida. Nisso, duas outras já iam em direção à van, quando depois do beijo ela e a de dezessete, que esperava também se despedir, se olharam e como se combinassem disseram ao mesmo tempo: "Acho que não vou".  Eu tinha que pensar no que fazer à horas, achei que acordaria com uma boa idéia, mas não foi isso. Enfim, a melhor idéia depois de fazer elas todas desistirem de me abandonar, foi continuar a caminhar. Não foi minha essa idéia. Eu não queria nem um pouco andar na chuva, em Feira de Santana, uma cidade que eu não sabia nem qual o seu real tamanho ou que tipo de gente morava lá. Mas não adiantava, fazer elas desistirem foi o ponto máximo da minha importância, agora eu tinha que também dar o braço a torcer. Caminhamos em direção ao sul. Depois de uns dois quilômetros ainda dentro dos limites da cidade, enfim um caminhoneiro confiou e parou. No escuro, sem saber ao certo quantos éramos. É claro que ele não pensou muito. Mulher pedindo carona, ainda mais quatro, decerto achou que uma sobraria pra ele. Eu não seria um cheique pobre. Paramos no primeiro posto ainda dentro dos limites da cidade. No bar do posto, uns quatro ou cinco baianos, perderam a fala ao ver aquela penca de garotas descendo da cabine do caminhão. Um correu no balcão e voltou com duas garrafas de cerveja, outro buscou três fichas de sinuca e outro botou pra tocar um Calcinha Preta Volume sete, que na época era lançamento e fazia o maior sucesso no norte do país. O baile estava pronto. A poeira levantou e eu aproveitei pra trocar uma idéia com a minha Maria Bonita. Na hora meter a idéia, o Joel abre a porta da cabine. "Opaaaa. Desculpe aí". A terceira vez que me escapava da idéia. Antes do caminhoneiro, quem estragou o barato foi a mais nova duas vezes. Elas eram tão sem base que a cada vinte minutos mudavam de plano. No fim nem comi a abençoada. O dia amanheceu e o plano em evidência era todo mundo ir pra Brasília. O Joel também era do Rio Grande Do Sul e morava em Brasília. A casa dele ficava no Gama e a minha, até antes de rodar, em Taguatinga. Por um momento não vi mais nenhuma delas. Apareceram. A minha e a peste mais nova decidiram pegar carona com um caminhoneiro com destino a Porto Alegre onde a mais nova tinha alguns parentes e amigos. Fiz a minha parte, protegi enquanto pude, agora era com elas. Todos os olhos, os meus dois e os dois do Joel, se voltaram as duas que sobraram. Eu parti pra de dezessete e o Joel se engatou na moreninha de quinze. Fomos a procura de carga pro caminhão que estava com o baú vazio, fomos até um posto lá dentro de Feira. Nada de carga, a noite chegou e a situação não mudava. Eu e o Joel só tinha um pensamento, comer elas. Durante a noite a de quinze dormiu na cabine com o Joel e eu e a outra no baú. Chega de detalhes, no outro dia de manhã o Joel abriu o último saco de arroz, depois do almoço as meninas passaram batom e saíram. Foram de caminhão em caminhão. Eu de barriga cheia já queria mais é que elas sumissem mesmo. Por fim não voltaram. Se olhamos os dois e desisitimos de ficar ali esperando carga. Lá estávamos nós dois em direção à oeste. A Chapada da Diamantina fez tudo ficar mais leve. Eu revezava em estar ali dentro do caminhão conversando e em estar voando por meio as nuvens que cobriam o teto da chapada. Lençóis nos esperava para o pouso da noite. Enfim uma cama, um chuveiro, uma janta e um boa noite encerrou aquele dia. Tudo no interior da Bahia é baratinho, baratinho mesmo, depois dessa parada, a seguinte foi já próximo Bom Jesus da Lapa. Paramos numa casinha bem pequena feita de alvenaria. Era uma casinha bem humilde mesmo, em um arraial no meio do nada, nela morava uma senhora que servia almoço pra viajantes. Num instante as crianças que também moravam nas poucas casas que tinham por ali, foram chegando, espiando pela janela, falando baixinho uns com os outros e rindo de alguma coisa. Aos poucos foram se adentrando, um foi se chegando encostadinho na parede. Um deles correu de volta pra casa e voltou com a metade de um bolo de fubá. "Minha mãe que fez, ela disse que vocês podem dormir lá essa noite, tem espaço". Que querido, claro que a gente estava de passagem, era ainda duas horas da tarde, e pretendíamos aquela noite já estar em território calango. O que não aconteceu. Quando a gente chegou em Correntina escureceu. Paramos numa lanchonete onde o Joel ouviu uma piadinha de gaúcho que o deixou enfurecido. Quis ir embora. Disse que a outra opção era ir até o caminhão buscar o revólver e enfiar na boca do comediante. Na saída da cidade o caminhão quebrou. Agora já era o quinto dia que estávamos em Correntina e foi muito bom ter ficado ancorado quase uma semana lá. No segundo dia já éramos conhecidos na cidade interia. No terceiro arranjamos umas pervertidas pra trocar o óleo, no quarto torramos o dia inteiro na beira do Rio das Éguas que corta a cidade e faz dela um dos balneários mais visitados do interior do estado. O socorro do Joel veio só no final do quinto dia. O caminhão ainda estava lá parado na margem da rodovia esperando a peça que vinha de Brasília. Já era noite quando finalmente ele foi consertado. Seguiríamos no outro dia de manhã assim que o sol surgisse. Eu olhei pra imensidão do céu e pensei: " Se eu um dia contar isso pra alguém, vou ficar parecendo um mentiroso". Aquele ar seco indicava, estávamos chegando. O Almerindo iria fazer aquele discurso. Como vou explicar que voltava sem o Jucelino? Taguatinga QNM norte Conjunto trinta e oito. Em frente aquela casa palco de tantos arrasta-pés eu pensei que a verdade sempre é a melhor versão. Iria contar que Jucelino e eu nos separamos e ele se perdeu. Não fazi a mínima onde ele estava. Pra minha surpresa ouvi no abrir a porta da frente: "Gaúcho, seu corno"! Jucelino estava ali de volta. Explicou que quando eu estive em Barreiras procurando ele aquela noite, ele estava na rodoviária que ficava em frente ao primeiro posto. Como eu havia dito que talvez não chegaria aquele dia, ele abandonou o posto e foi pra rodoviária dormir. Almerindo aceitou de volta os aventureiros do sertão, como ficamos conhecidos ou apelidados depois daquele dia. Enfim, querem saber se me arrependo de alguma coisa nessa aventura? Me arrependo sim, me arrependo muito de não ter aceitado aquele bolo de fubá! Eu amo bolo de fubá!

O cruzeiro do sul XI - Constelações, arquipélagos e nuvens. - Parte II

segunda-feira, 5 de outubro de 2015

O cruzeiro do sul XV - Da nascente à magia

O Almerindo comia umas coisas estranhas. Cebola crua. Assim, como se come uma maçã. Credo, já fazia meia hora e eu ali esperando ele vir me buscar. Outro dia ele apareceu comendo um milho assado. Passou três magos e uma criança que ficou me olhando assim como se perguntasse: "Quer aprender magia? Te ensino". Puxa, parece um lugar tranqüilo, por que não consigo me sentir normal? Nem tudo que parece é, e se tratando de um lugar habitado por pessoas, qualquer coisa pode acontecer. Parou uma van dessas que fazem o corre Plano Piloto ou Planaltina x Vale do Amanhecer. Desceu umas quatro pessoas, uma mulher de idade reclama do preço da passagem para o atencioso motorista. O cobrador apenas olha e sem expressar sentimento vai fechando a porta de correr devagarinho como se fosse a ampulheta do tempo. Parecendo entender, a senhora se despede encerrando seu comentário. Eu gosto do fim de tarde de Brasília, as nuvens ficam coloridas, em formato de bichinhos, o calor da tarde leva o pessoal aos barzinhos onde no fim do dia se bate aquele hamburguer, que fica no chinelo se comparar ao xis gaúcho é claro, mas que tem seu papel importante na composição daquele crepúsculo. As crianças brincavam de encenar algum tipo de ritual bem no meio da rua, nisso passa uma viatura em direção ao fim do Vale, para a esquerda de quem está de frente ao portal. Aquele menino apressado que era o cobrador da van, levou um tiro de bala perdida. Que coisa, num instante se está ali, no outro não. Ainda hoje eu lembro da cara daquele cobrador que tinha pressa. Ele tinha um encontro com a morte,  e não sabia disso. Quantas vezes precisei esperar e não quis? Lembrei da minha mãe e das outras pessoas importantes para mim. Quis mudar, quis ser outra pessoa, menos aquela ali se sentindo o ser humano mais frágil do mundo. Toda aquela magia que exalava daquele lugar não tinha sequer poder de atrasar uma van, o tempo, ou de manter a paz no local. Tudo perdeu o sentido na lembrança do olhar do pobre cobrador. Quantas vezes tive pressa e não deixei que as coisas seguissem seu rumo natural? Não deixo Almerindo correr, ergo o vidro, tento me esconder da morte, mas não era exatamente isso que havia causado o ocorrido? Me senti confuso. Não vi a volta pra casa e conversei tão pouco no carro que estranharam meu silêncio. Nada não. Pequena paranóia a parte. Liguei pra minha mãe aquela noite, pra outras duas pessoas distantes também. Passei a janta inteira na rua olhando a Estrela de Magalhães. Sem fome. E se eu não conseguisse completar aquela aventura? E se eu não visse mais as pessoas que eu tanto amava? Se eu nunca tivesse filhos e netos pra contar aquelas aventuras?
Às vezes ver o dia nascer faz seu espírito renovar. Também, depois daquele massacre de consciência! Não fosse ela me encorajar não sei o que seria. "Que isso meu filho? Tu que sempre foi tão desprendido, meu orgulho, levanta a cabeça". Aquele dia eu dei bom dia com o sorriso mais lindo e sincero que podia, abracei as pessoas que pude, liguei pra outras pessoas distantes e me senti vivo de novo. Meu sorriso, aquela estrela, um abraço, aquelas palavras maternas, o carinho dos colegas, era tudo a verdadeira magia. O verdadeiro poder de mudar. Crianças rindo e brincando pelas ruas. Aquilo sim era poder. Voei em instantes por toda minha jornada, da saída com aquela música do Caetano à chegada em Brasília. Toda aquela jornada voltava a fazer sentido. O Céu Azul é um lugar tão perigoso quanto a Samambaia, se não mais, no entanto naquele dia isso não chegou sequer aos meus pensamentos. Olhei no fundo do olho de cada pessoa. Quantas pessoas realmente estavam ali interessadas naquilo que eu fazia? Quantas estavam ali pelo meu dom de cativar? Quantas apenas quiseram se aproximar daquele "mascate" só pra ver bem de perto aquele sorriso, ou apenas pra conversar um pouquinho naquela tarde vazia de sol quente? No fim, todos querem a mesma coisa. Atenção. Todos queremos um abraço, mesmo que por trás de uma cara feia, e eu agora sabia disso. Aquele dia eu descobri isso. Eu ofereci meu serviço à uma senhora que me interrompeu pra dizer que meu sorriso a fez lembrar do filho querido dela que havia morrido afogado. Já fazia mais de quatro anos, mas pra uma mãe esse tipo de tempo não passa nunca. Ouvi a estória interia e por fim ela não aceitou minha proposta, mas disse que Deus havia me mandado ali para fazer a tarde dela melhor. Na volta pra casa brincamos e rimos muito. Em certo momento paramos na rodovia em carácter de emergência. O Almerindo peidou tão intensamente que embaçou os vidros.
Era domingo. Eu tinha uma namorada no Paranoá, fomos assistir a estréia do Harry Potter no Plano Piloto. Na volta fiquei observando a arquitetura de Brasília. Aquele arquiteto era mesmo o cara, eu conseguiria fazer algo pra deixar pra eternidade? Fui dormir com a sensação de que tudo tem sim sentido. Tentei me imaginar no futuro. Acreditei com todas as forças que estaria dali uns cinco ou seis anos talvez por Brasília mesmo, ou em qualquer outro lugar do mundo, em cima de um palco, milhares de pessoas  me assistindo tocar e cantar minhas músicas. Seria famoso, rico e muito feliz. Imaginei que toda aquela atenção dada voltaria em forma de realização pessoal. Mas a Grande Alma um dia disse: "A satisfação não vem da realização, vem do esforço. Esforço total é vitória total." Nunca imaginei que na verdade estaria aqui contando isso à vocês. Eu não tinha na verdade a noção do que realmente era o importante nesse mundo. Hoje ainda não sei, mas uma certeza de que tenho é que a realização não está no viver, e sim em completar a caminhada. E isso, claro que pode esperar. Enquanto isso, vamos viver!

O cruzeiro do sul XV - Da nascente à magia